Conteúdo

ICMS – Industrialização por encomenda e por conta de terceiro – A ficção criada pelo fisco paulista e a insegurança do contribuinte

Por Cintia Ladoani Bertolo – Consultoria Tributária

A industrialização por encomenda é a operação no qual um estabelecimento encomendante remete insumos para industrialização por outro estabelecimento denominado industrializador, que realiza a industrialização por conta e ordem do encomendante.

Uma vez finalizada a industrialização por encomenda, o industrializador remete o produto industrializado ao autor da encomenda, cobrando o valor da mão de obra e dos eventuais insumos de sua propriedade, aplicados no processo produtivo.

Ao tratar da remessa dos insumos do autor da encomenda para o industrializador, a legislação determina que o ICMS incidente na operação fica “suspenso” para o momento em que, após o retorno dos produtos industrializados ao estabelecimento autor da encomenda, por este seja promovida a subsequente saída dos mesmos produtos. Essa suspensão é aplicável tanto nas operações internas (artigo 402 do Regulamento do ICMS/SP – RICMS), como nas operações interestaduais, por força do Convênio AE-15/1974.

Desse tratamento fiscal, conclui-se que, na remessa dos insumos de propriedade do autor da encomenda para o industrializador, não deve haver cobrança do ICMS, assim como não deve haver a cobrança no retorno desses insumos pelo industrializador ao autor da encomenda.

Muito bem. Por anos a fio, os contribuintes vêm aplicando a suspensão[1] do ICMS na remessa e no retorno de industrialização, sem se atentarem à predominância de insumos de propriedade do autor da encomenda e do industrializador que contribuíram para que o produto final fosse produzido.

Em termos práticos, por exemplo, o autor da encomenda poderia remeter botões para a confecção de uma camisa por encomenda com a suspensão do ICMS sobre estes insumos. Por sua vez, o industrializador, ao retornar a camisa confeccionada para o autor da encomenda, também aplicaria a suspensão do imposto sobre aqueles mesmos botões recebidos. Tudo na forma do artigo 402 do RICMS/SP e do Convênio AE-15/1974.

Ocorre que, segundo o fisco paulista, o contribuinte não pode confundir “industrialização por encomenda” com “industrialização por conta de terceiro”. Através das Respostas à Consultas nº 460/2009, 11.726/2016, 13.141/2016, 11.886M1/2017, 22.402/21 e 23.486/2021, a Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo fez análise não prevista na legislação sobre o processo de industrialização e sobre a aplicação da suspensão do ICMS, inclusive sobre o uso de CFOP[2]. Vejamos algumas ementas:

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 23.486/2021, de 06 de julho de 2021.

ICMS – Industrialização por encomenda – Predominância dos insumos e materiais empregados – Aplicabilidade da disciplina da industrialização por conta de terceiro.

  1. Não é aplicável a disciplina da industrialização por conta de terceiro às operações em que o estabelecimento industrializador contratado utiliza matéria-prima predominantemente própria.
  2. Não sendo aplicáveis as regras de industrialização por conta de terceiro relativamente às operações entre o encomendante e o industrializador, as saídas de mercadorias serão regularmente tributadas, podendo os agentes envolvidos aproveitar eventual crédito do imposto, desde que respeitadas as regras estabelecidas nos artigos 61 e seguintes do RICMS/2000.

 

“Resposta à Consulta Nº 22.402 DE 22/01/2021

ICMS – Industrialização por encomenda – Fabricação de esmaltes de unha com a totalidade dos insumos empregados na fabricação do produto em si fornecidos pelo industrializador e embalagens fornecidas pelo encomendante. I. Não é aplicável a disciplina da industrialização por conta de terceiro às operações em que o estabelecimento industrializador contratado utiliza insumos próprios para a fabricação do produto em si, cabendo ao autor da encomenda apenas o fornecimento de embalagens. II. Na remessa das embalagens para o industrializador, o autor da encomenda deverá utilizar o CFOP 5.949 (“outra saída de mercadoria ou prestação de serviço não especificado”) e efetuar no documento fiscal o destaque do imposto devido. III. Na saída das mercadorias do estabelecimento industrializador deverá ser utilizado CFOP referente à venda de produção do estabelecimento e o valor da operação deve corresponder ao total do produto, incluindo o valor das embalagens remetidas pelo autor da encomenda.”

Segundo a SEFAZ/SP, não é toda industrialização por encomenda que pode ser classificada como uma industrialização por conta de terceiro, sendo esta uma espécie daquele gênero. Desse modo, tendo o instituto da industrialização por conta de terceiro uma abrangência mais restrita, não é toda e qualquer industrialização por encomenda que pode se valer da disciplina dos artigos 402 do RICMS/SP.

Ainda, para o fisco paulista, faz-se importante diferençar as operações de industrialização por conta e ordem de terceiro das operações de industrialização por encomenda. No primeiro caso, o autor da encomenda fornece todas — ou, senão, ao menos, as principais — matérias-primas empregadas na industrialização, enquanto o industrializador fornece especialmente a mão de obra, com eventual acréscimo de alguma matéria-prima secundária. Essa seria a hipótese normatizada pelos artigos 402 do RICMS/SP. Já a industrialização por encomenda se caracteriza quando o industrializador adquire por conta própria as matérias-primas substanciais a serem aplicadas na industrialização, sem intermédio do autor da encomenda.

Constata-se, portanto, que, na situação analisada nas Respostas à Consultas, o fisco distingue o tratamento tributário diferenciado do artigo 402 do RICMS/SP e a industrialização por encomenda, algo inovador e inimaginável para os contribuintes envolvidos nas operações de industrialização até então.

Disso tudo, pode-se concluir que o posicionamento do fisco paulista tende a provocar insegurança jurídica ao contribuinte que encomenda e ao que executa a industrialização. Afinal, onde encontrar na legislação tributária a definição de  “matérias primas principais”, “matérias primas secundárias”, “matérias primas substanciais”, até mesmo o que se entende por “predominância” de insumos empregados na industrialização, para avaliar a aplicação, ou não, da suspensão do ICMS e o uso correto do CFOP? Esses conceitos ficariam a critério e por conta e risco do contribuinte ou todos eles deveriam apresentar consulta formal à SEFAZ/SP, para que suas operações sejam definidas pelo fisco?

Além dessa subjetividade conceitual, não podemos perder de vista que a adoção de qualquer procedimento fiscal pelos envolvidos na industrialização por encomenda provoca reflexos na apuração de outros tributos, como do IPI e das contribuições PIS e Cofins. Qualquer alteração procedimental deve ser cuidadosamente analisada, para que as operações não sejam oneradas de forma ilegal/indevida.

Nós, do Bergamini Advogados, estamos à disposição para orientá-los na adoção de estratégias adequadas, a fim de evitar questionamentos fiscais.

 

[1] Segundo a Consultoria Tributária da SEFAZ/SP, os CFOPs 5/6.901 e 5/6.902 só devem ser utilizados nas operações com suspensão do ICMS (industrialização por conta de terceiro). Na industrialização por encomenda com impossibilidade de suspensão do ICMS, os CFOPs de remessa corretos seriam o 5/6.949, que correspondem às “outras saídas não especificadas e o industrializador promoveria a “venda” do produto final industrializado.

[2] Observadas as condições previstas no próprio artigo 402 do RICMS/SP.

Compartilhe nas redes sociais

Newsletter

Inscreva-se em nossa newsletter
e fique por dentro das novidades

    Este site utiliza cookies para lhe oferecer uma boa experiência de navegação e analisar o tráfego do site, de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com essas condições.